sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Desejos e Gestos - parte 02 de 13


Sementes

Sabe aquela imagem que você viu no Jornal Nacional da TV Globo? Aquela filmada de dentro de um helicóptero, ratátá-ratátá-ratátá de balas saindo à procura de jovens alvos humanos lá embaixo? Foi lá, em Vila Aliança. Os alvos correm, zigzagueiam, as balas alcançam, os corpos caem, pronto, missão cumprida.

Naquele dia, há muito, Samuca já tinha saído da prisão. Cumprira pena por sequestro. Condenação de 15 anos. Passam-se sete, reflete, tem conversas com a psicóloga, insights. Resolve redirecionar sua sabedoria. Cuidará de jovens da sua terra.

Uma escola pública, em Vila Aliança, é desativada pela Prefeitura. Samuca sabe que prédios públicos abandonados podem ser ocupados em benefício da população. Já junto com Jeferson – o Cora – e George Cleber, o Binho, toma de baldes, vassouras e limpam a área. Está pronta a semente física do Centro Cultural a História que Eu Conto. O sonho brota.

Binho já acumulava livros em casa, embrião de biblioteca comunitária. Jeferson fazia arte, grafite. Samuca, música. Imagino conversas e conversas com um e uma, outra e outro. Oscar, Bartolomeu, Néti, Luiz Fernando, Nena, Thamires... Vínculos se reforçam, desejos se encontram, mais interessados chegam mais. A turma aumenta. Mulheres, homens, jovens, crianças. Mais gente que minha memória.

Sei que nesta época eu trabalhava para o Sesc Rio, com Gilberto Fugimoto. Um conselheiro, Adriano Londres, encontra-se com Samuca, se interessa, fala com o Dionino Colaneri, diretor geral. Dionino fala com Gilberto. Gilberto e eu vamos lá. Sugerimos que pesquisem, mapeiem quem tem interesse em contribuir para a melhora de Vila Aliança. E convidem a eles e a nós pruma reunião.

Mais de 40 pessoas na hora marcada. Curiosidades e desejos presentes. Uma roda, duas perguntas pra cada um: em relação à Vila Aliança, o que você oferece? O que você procura? Dois minutos pra responder, por favor. Pra facilitar, escreva suas respostas, inclua seu nome, telefone, email.

Cada fala, uma surpresa. Ofertas e procuras cruzam os ares. Um recreio, um lanche, as conversas rolam, aproximações, confianças estimuladas, parcerias aventadas, germinam vínculos. Depois, as ofertas e procuras são digitadas e compartilhadas com quem esteve no encontro e com quem não esteve. Ainda tímida, a rede se espalha. O tal do capital social mostra a cara. A inteligência coletiva fica clara.

Em outros encontros, vêm mais pessoas. Instituições se interessam, chegam. Não sei como foi no detalhe, mas a cada ida a Vila Aliança, novidades. As pessoas se movimentam, se encontram, pensam, propõem, planejam, projetam, buscam e somam recursos, agem, realizam. A biblioteca se expande, o teatro atua, cursos e oficinas se experimentam.

No dia a dia, imagino, diferentes visões de mundo geraram discussões, conflitos. Mas alguma coisa, não sei exatamente o que, era diferente ali. Talvez a expressão dos afetos e dos desejos. Algo impalpável. Ética? Solidariedade? Delicadeza? Sei que este algo me mobilizava para me deslocar e estar volta e meia lá, com o que estava ao meu alcance.

O Jean Engel Martinez, antes de Gilberto Fugimoto e eu, já atuava junto. Outras pessoas se interessaram, colaboraram voluntariamente ou como instituições. Vieram inteiros. Da zona sul, lembro de Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, Alex Vargas, Cláudia Pfeiffer, Caio Silveira, Luciana Phebo, Márcia dos Anjos, Carolina Pellegrino, Lídia Nobre, Michel Robin, Armênio Graça, Bel Lobo, Vitor Pordeus, Roberto Pontes, Marcos Alvito, Júlio Ludemir... Menos de 3 anos depois veio o prefeito, assina autorização formal para uso do espaço. Antes, pelo Ministério da Cultura, o Centro é feito Ponto de Cultura.



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